sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Economia do Caos: "É uma guerra econômica!"

Por trás das cenas devastadoras nas ruas do Rio de Janeiro existe uma batalha essencialmente econômica. Em jogo: o milionário mercado do tráfico de drogas

Por Hugo Cilo e Crislaine Coscarelli
A semana que começou com a ameaça de um conflito potencialmente devastador do outro lado do mundo – com o ataque da Coreia do Norte a uma ilha sul-coreana – terminou com cenas ainda mais chocantes aqui ao lado, no Rio de Janeiro.
De domingo até às 14h30 da sexta-feira 26, o balanço dos confrontos descreveria uma autêntica estatística de guerra: 87 carros queimados, 188 pessoas presas e 36 mortes. Pânico nas ruas. Tanques blindados circulam pela cidade. Homens fortemente armados ocupam redutos que até dias atrás eram campos férteis para a atuação dos traficantes. E é esse é o ponto-chave da batalha. 
 
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25 de novembro, às 16h15, vila Cruzeiro, Rio: policial aponta metralhadora para criminosos no Rio de Janeiro,
em uma imagem que lembra o filme Tropa de elite. Desta vez, a guerra não é ficção
 
Na gênese dessa situação está a disputa entre quadrilhas de traficantes pelo controle de uma indústria gigantesca: a do tráfico de drogas. Essa atividade econômica ilegal movimenta mais de R$ 650 milhões por ano apenas nos morros do Rio, além de R$ 220 milhões em contrabando de armamentos, segundo estimativa da própria Secretaria de Fazenda do Estado. Mas, a julgar pelo empenho dos criminosos na defesa de seus territórios nos últimos dias, a cifra pode ser muito maior.
 
O estopim da guerra no Rio foi provocado pela reação dos traficantes à ofensiva da polícia sobre seus domínios. Depois de colocar em operação as UPPs, as Unidades de Polícia Pacificadora, que assumem o controle de áreas vitais para a distribuição de drogas, os criminosos reagiram com uma onda de violência sem precedentes – promoveram arrastões, incendiaram veículos e fizeram ataques a forças de segurança.  
 
Queriam espalhar o terror – e conseguiram. O contra-ataque dos criminosos soou como uma declaração de guerra às forças policiais. Liderado pelo Batalhão de Operações Especiais (Bope), um grupo de 450 militares (entre Polícia Civil e Bope), com o apoio de nove blindados da Marinha, ocupou alguns morros da cidade.
 
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Agentes do Bope e da polícia militar ocuparam, com rostos pintados e armas de alto poder de fogo, áreas de domínio do tráfico nos morros cariocas
 
O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, atribui a ação dos bandidos ao “desespero da marginalidade”, que perdeu espaço nas comunidades depois do surgimento das UPPs. Bilhete interceptado dentro de um dos presídios do Estado é apresentado pelo governo para embasar a suspeita. 
 
Na mensagem, um detento manifesta insatisfação com a política de segurança de ocupação das favelas. “O Ministério da Justiça e os Estados brasileiros estão muito empenhados em levar para as cidades brasileiras a paz. 
 
Evidentemente, há uma reação a esse tipo de política, que vem sendo bem-sucedida no Rio”, disse o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto. Seja como for, a reação dos criminosos espalhou o pânico na segunda maior metrópole do País. Com medo de novos ataques, a população tem evitado transitar nas linhas Amarela e Vermelha, duas das mais movimentadas vias da cidade.     
 
Toda essa estratégia bélica do Estado contra o crime organizado tem um custo nada desprezível. Apenas o deslocamento de agentes da Polícia Rodoviária Federal custa R$ 210 milhões  aos cofres do Estado. Grande parte do orçamento da operação é gasta no uso de três helicópteros. 
 
A hora de voo numa dessas aeronaves chega a R$ 5 mil – em cinco horas no ar por dia, consome R$ 75 mil. Isso sem considerar o risco de esses helicópteros serem abatidos em pleno ar, como ocorreu neste ano, após o anúncio do Rio como sede da Olimpíada de 2016. 
 
O cenário de guerra no Rio reacende o debate sobre a legalização das drogas como instrumento de combate ao tráfico. Um grupo cada vez maior de políticos e intelectuais – entre eles o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – defende a legalização do consumo como forma de enfraquecer os traficantes. 
 
Desde 1998, quando a ONU levantou a bandeira de um mundo livre de drogas, mais que triplicou o consumo de maconha e cocaína na América Latina. Diante disso, os gastos de mais de US$ 25 bilhões em todo o mundo em ações de repressão ao tráfico se mostram ineficientes – e, no caso do Brasil, tem transformado o Rio de Janeiro em um palco de guerra.

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