domingo, 30 de agosto de 2009

Neuroeconomia

Mas afinal, o que é ou do que trata a neuroeconomia ?


De acordo com a definição "mais formal" dada pelo "The MarketPlace of Perceptions" da Harvard Magazine, "A economia comportamental (behavioral economics) explica porque é que protelamos, compramos, pedimos emprestado e surripiamos chocolate sob os impulsos do momento."

Já numa perspectiva talvez "menos formal" temos a realizada por McCabe (2009) , In Neuroeconomics, da George Mason University (EUA) na Encyclopedia of Cognitive Science "A Neuroeconomia é o estudo de como o cérebro interage com o ambiente externo para gerar comportamento econômico. A investigação neste campo proporcionará aos cientisas sociais uma melhor compreensão do processo de tomada de decisão dos indivíduos para melhor prever o comportamento econômico."

Já para Paul Zak, diretor do Center for Economics Studies (USA) relembra que: "O economista Thorstein Veblen escreveu em 1898 que a economia, propriamente dita, é simplesmente um ramo da biologia. Os seres humanos são seres vivos que fazem basicamente o mesmo que outras espécies: sobreviver e reproduzir-se. Estas actividades obrigam a que tenham de fazer escolhas, isto é, processarem os sinais vindos do ambiente, avaliarem alternativas e fazerem escolhas. A aquisição de recursos pode também exigir-nos a interacção com outros seres humanos, algumas vezes estratégicamente. A neuroeconomia proporciona um conhecimento estruturado sobre a actividade neurofisiológica durante os processos de escolha e ao fazê-lo abre uma janela sobre a natureza humana"


Neurologia das compras (Fonte: Jornal Público)

Cientistas espreitam para o cérebro de quem faz compras

«O que se passa no nosso cérebro, quando decidimos comprar algo? É uma luta entre áreas relacionadas com o prazer das recompensas e com a dor, por termos de pagar pelo objecto do nosso desejo, concluíram cientistas que espreitaram para dentro do cérebro de voluntários que participaram numa simulação de compras.
«A equipa de Brian Knudson, da Universidade de Stanford (EUA), usou exames de ressonância magnética funcional, que permitem ver alterações no fluxo sanguíneo no cérebro, enquanto as pessoas estão a realizar determinadas acções. No caso, os voluntários tinham de tomar decisões rápidas, quando confrontados com uma série de produtos e respectivos preços, que poderiam escolher comprar ou não.
«A equipa relata num artigo na revista Neuron que conseguia prever se um indivíduo ia comprar ou não um produto, olhando para o padrão de actividade cerebral revelado pelo exame.

«Os cientistas concluem assim que "as decisões de comprar podem envolver distintas dimensões, relacionadas com a antecipação de ganhos e perdas". O seu trabalho, dizem, "tem implicações para compreender anomalias comportamentais, como a tendência para gastar de mais ou de menos, sobretudo se se usa o cartão de crédito. "A natureza abstracta do cartão de crédito, juntamente com o facto de só se pagar mais tarde, pode anestesiar os consumidores contra a dor de pagar", escrevem.»


Neuroeconomia: o regresso do "animal spirits" (Fonte: Blog Pura Economia)

O mecanismo do marcador somático parece coerente com a teoria da racionalidade limitada. Em Economia, o pressuposto das decisões racionais levanta dois problemas importantes:

- os agentes económicos não podem dispor de toda a informação relevante e

- ainda que dispusessem, a quantidade de informação seria tão grande que o cérebro não teria capacidade para a processar.

Pode ser que o trilho adaptativo da racionalidade limitada seja percorrido com a ajuda da memória emocional proposta por António Damásio. No seu livro "O Erro de Descartes" é descrita uma experiência laboratorial com humanos, o "jogo de cartas", que o próprio Damásio admite ser uma simulação da actividade económica. Os pacientes com disfunções no sistema emocional não conseguem "adivinhar" as regras do jogo, ao contrário dos que não têm esse problema, os quais acabam por "adivinhar" as regras de um jogo aparentemente caótico, onde os impulsos emocionais de "ganhar" ou "perder" ajudam a perceber a racionalidade escondida.

Peter Drucker, nas suas memórias, apresenta um exemplo muito curioso dum velho "capitão da indústria" que contraria a análise da sua equipa de gestores, favoráveis a um investimento financeiro "infalível", que tinha inclusivamente uma espécie de aval do Banco de Inglaterra. Resultado: os gestores estavam enganados. Questionado sobre o que o teria levado a "descobrir" a verdade, o experiente homem terá dito qualquer coisa como "desconfiei porque o tipo tinha respostas para tudo". Este é o tipo de comportamento que costumamos rotular como "intuitivo", pelos vistos erradamente: em lugar da intuição está, provavelmente, o mecanismo do marcador somático a ajudar à tomada de decisão.

As "funções de surpresa potencial" de George Shackle também poderiam ser explicadas pelo marcador somático. É curioso como estas "intuições", desprezadas pelos economistas por causa da sua aparência pouco científica (desprezo que, em si mesmo, traduz uma atitude pouco científica) parecem agora ser mais "legitimas" a partir de experiências laboratoriais controladas. Porém - suprema ironia - é bem provável que tudo isto venha dar razão àqueles que construiram modelos matemáticos do comportamento económico "não realistas". A ciência tem destas coisas. na altura da sua formulação, não havia modelo mais "afastado da realidade" do que a teoria da atracção universal de Newton: era "evidente" que não havia nenhum meio de transmitir a informação necessária à atracção, nenhum cabo a ligar os planetas, e no entanto... Newton, de resto, estava consciente desse "ponto fraco".

A Neuroeconomia apresenta-se assim como um caminho bastante promissor. Quem sabe se, depois de se terem tornados "matemáticos", não terão os economistas de se especializar agora em Medicina...

Um bom texto sobre este assunto: Implications of the Affect Heuristic for Behavioral Economics de Paul Slovic (2002)

Quem também prece ganhar pontos com estes desenvolvimentos são as teorias darwinianas: o facto do organismo utilizar como elemento relevante do mecanismo racional um outro mecanismo "inferior" (as emoções secundárias, que parece que partilhamos com outros mamíferos...), encaixa bem no modelo evolutivo em que órgãos de uma determinada fase da evolução são adaptados para o funcionamento de órgãos que surgem posteriormente no processo evolutivo.

Razão tinha o Keynes com o seu "animal spirits". Seria também intuição do Lord?

"Even apart from the instability due to speculation, there is the instability due to the characteristic of human nature that a large proportion of our positive activities depend on spontaneous optimism rather than mathematical expectations, whether moral or hedonistic or economic. Most, probably, of our decisions to do something positive, the full consequences of which will be drawn out over many days to come, can only be taken as the result of animal spirits - a spontaneous urge to action rather than inaction, and not as the outcome of a weighted average of quantitative benefits multiplied by quantitative probabilities."


"... human decisions affecting the future, whether personal or political or economic, cannot depend on strict mathematical expectation, since the basis for making such calculations does not exist ... it is our innate urge to activity that makes the wheel go around ..."

Keynes, Teoria Geral

Sendo muito bem concebido (ao longo de milhões de anos) o mecanismo não é infalível. Além disso foi desenvolvido para uma realidade envolvente diversa daquela que construimos com a sociedade mercantil. Provavelmente daremos um grande avanço no conhecimento dos mecanismos económicos e com isso ficaremos ainda mais ignorantes, porque mais conscientes da nossa ignorância.

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