domingo, 16 de agosto de 2009

Entrevista Richard Nelson - Universidade de Columbia

"O excesso de atenção a patentes e licenciamento não é bom para as universidades, nem para as relações com a indústria"

Professor da Universidade de Columbia e PhD por Yale, Richard Nelson pesquisa os processos de mudança econômica no longo prazo, dando ênfase para os avanços tecnológicos e a evolução das instituições econômicas. Ele, que já foi membro sênior do Council of Economic Advisors da Casa Branca, de 1961 a 1963, esteve no Brasil em meados de março para o lançamento da coleção "Clássicos da Inovação", da Editora da Unicamp. Nelson é autor de três das dez obras da coleção: Tecnologia, Aprendizado e Inovação: As Experiências das Economias de Industrialização Recente, em parceria com Linsu Kim; Uma Teoria Evolucionária da Mudança Econômica, com Sidney Winter; e The Sources of Economic Growth, ainda sem título em português. O primeiro livro já está nas livrarias; os outros dois sairão ainda este ano. Richard Nelson concedeu a seguinte entrevista a Mônica Teixeira dia 16 de março, em Campinas.

Como o senhor caracteriza a relação entre as universidades norte-americanas e suas empresas?

Há uma longa história de engajamento grande e produtivo. A natureza do envolvimento tem sido diferente, em campos diferentes. Desde a metade do século XIX, um papel importante das universidades foi o de sediar estações agrícolas experimentais importantes para o desenvolvimento de melhores maneiras de plantar; muitos anos depois, como o lugar onde as técnicas de hibridização de sementes apareceram; e ainda mais tarde, toda a noção de plantas geneticamente modificadas nasceu da pesquisa acadêmica. Relativamente mais tarde no século XIX, as universidades começaram a ter um papel significativo no desenvolvimento da indústria americana, quase sempre associado ao desenvolvimento de departamentos de engenharia muito fortes. Os programas de pesquisa de engenharia se concentraram em problemas de setores em particular. Engenharia química, por exemplo, é todo um novo campo da ciência absolutamente essencial para o desenvolvimento da indústria americana de produtos químicos; em particular, usando petróleo como matéria-prima — tudo isso surgiu da pesquisa nas universidades. O primeiro computador eletrônico nos Estados Unidos foi desenvolvido na Johns Hopkins, no desenrolar de um contrato militar da Segunda Guerra Mundial. O terceiro domínio tem sido a pesquisa e o treinamento no campo da medicina, em que os Estados Unidos eram fracos até a Primeira Guerra Mundial. Dali em diante, os EUA começaram a desenvolver uma tradição muito forte nas escolas de medicina envolvendo a pesquisa; depois da Segunda Guerra Mundial, as escolas de medicina, apoiadas pelos National Institutes of Health, são as fontes mais importantes para o novo entendimento das patologias, de como o corpo funciona, do que acontece nos ataques cardíacos, coisas desse naipe. Esta é a tradição. No entanto, há economistas dizendo que a razão pela qual as universidades americanas estão contribuindo tanto para a indústria americana é o patenteamento e o licenciamento de patentes proporcionados pela lei Bayh-Dole. Isso absolutamente não leva em conta a história. Por outro lado, olhando o que está acontecendo agora, a lei Bayh-Dole não tem muito a ver com isso.

Qual a dimensão então do impacto da lei Bayh-Dole?

O crescimento do patenteamento nas universidades provavelmente era inevitável e aconteceu antes da Bayh-Dole, por uma série de razões — a mais importante delas foi o desenvolvimento da biologia molecular como um campo da ciência e, associado a ele, o desenvolvimento do que veio a se chamar biotecnologia. Nessa área, os pesquisadores acadêmicos foram muito ativos; havia interesse científico significativo e também várias aplicações práticas potenciais. Ao mesmo tempo, a Justiça ratificou várias decisões muito desastradas dos escritórios de patentes, que permitiam o patenteamento de resultados de pesquisa, geralmente na área biotecnológica. Os escritórios de patentes aceitaram como argumento de utilidade a alegação de que o processo seria "potencialmente útil para fazer pesquisa" nisto ou naquilo. Assim, as universidades começaram a depositar patentes para cada uma dessas ferramentas de pesquisa. Isso aconteceria de qualquer maneira; o que a lei Bayh-Dole fez foi legitimar a busca das universidades por patentes, e dar espaço ao discurso de que, com isso, haveria muito dinheiro a ganhar, e esta seria a maneira de as universidades contribuírem para o progresso técnico e econômico. Ninguém se incomodou em dizer que isso já era feito antes, e as universidades aderiram à idéia de que elas poderiam fazer muito dinheiro patenteando o que vinha da pesquisa. Começaram a patentear e licenciar agressivamente. Algumas poucas universidades fizeram muito dinheiro — Columbia foi uma delas. Mas a maioria não fez tanto dinheiro. No entanto, o tom do que estava acontecendo na pesquisa das universidades e nos escritórios de patentes e licenças se tornou muito comercial.

Essa atividade intensa de patenteamento prejudica as universidades?

Não é bom para a universidade e também não é bom para a indústria. Para a universidade, por várias razões. Uma delas é que agora elas se tornaram importantes contribuidoras para seus próprios problemas. Essas patentes de ferramentas de pesquisa dificultam muito a pesquisa científica na área biomédica e também em algumas outras áreas. Por exemplo, o pesquisador quer investigar a relação entre uma mulher ter um gene BRCA-II e a susceptibilidade ao câncer de mama, e as vias de sinalização particulares dessa anormalidade no gene. Se o dono da patente proibir o pesquisador de usar sua ferramenta, então simplesmente a pesquisa está interrompida. Parte dessas patentes que agora impedem a pesquisa na universidade foi originalmente desenvolvida nas universidades. Elas as licenciaram para empresas, e agora as empresas estão dizendo: "Você não pode pesquisar..." Tenho feito um grande esforço em construir dentro do sistema de patentes americano alguma coisa chamada "exceção de pesquisa" (research exemption), pela qual toda organização sem fins lucrativos não pode ser acionada com base na lei de patentes por fazer pesquisa usando alguma coisa patenteada, se ficar de fato demonstrada a inexistência de propósito comercial. Vários de nós trabalhamos na seguinte proposta: a exceção de pesquisa seria disparada quando a universidade e o pesquisador concordarem em não patentear nada que surja dessa pesquisa.

E por que não é bom para as empresas?

Pelo fato de elas estarem reclamando. Especialmente as de eletrônica. Companhias farmacêuticas também — elas começam a argumentar que já pagaram, como contribuintes, pela pesquisa feita na universidade. Por que então elas deveriam pagar novamente? E mais, por que deveriam pagar por alguma coisa que pode vir a ser licenciada com exclusividade por alguma outra empresa? No campo da eletrônica, costumava haver muita pesquisa financiada pelas empresas. Essas empresas tiveram direitos de patentes sobre resultados da pesquisa na universidade, algumas vezes sem exclusividade. Agora, as companhias precisam barganhar com os escritórios de patentes das universidades quanto aos termos nos quais eles poderão licenciar qualquer coisa que surja da pesquisa que eles estão financiando. Por alguma estranha razão, eles não gostam disso. Eu penso que a lei Bayh-Dole faz cada vez mais mal para as relações entre as empresas e a universidade.

Deve haver uma mudança geral no sistema de patentes? Há patentes demais?

Penso que sim. Ficando ainda um instante com a lei Bayh-Dole, gostaria de ver, em primeiro lugar, uma exceção de pesquisa nas linhas que mencionei — se pesquisador e universidade concordam em não patentear resultados, então é livre o uso de material patenteado. Livre, não gratuito: se for necessário pagar um pouco, tudo bem. O que não queremos é o bloqueio da pesquisa. Em segundo lugar, eu gostaria de ver a Lei Bayh-Dole emendada para que contenha uma presunção de que tudo aquilo que a universidade patenteia possa ser licenciado de maneira aberta e não exclusiva — o que significa acesso a todos aqueles que pagarem uma certa quantia. Se a universidade quisesse fazer alguma coisa diferente disso, seria encargo dela demonstrar suas razões. Se quiser, por exemplo, dar uma licença exclusiva para a Merck, deve apresentar registros de que tentou licenciar não exclusivamente, e ninguém quis; que ela tentou licenciar amplamente, mas ninguém se interessou; e a Merck então diria: "Faremos alguma coisa com isso se obtivermos uma licença exclusiva."

E sobre a reforma do sistema de patentes?

Em relação a isso, existe um relatório organizado sob os auspícios da National Academy of Sciences e do National Research Council chamado "Um sistema de patentes para o século XXI". Geralmente, os relatórios da Academia Nacional são muito conservadores, pouca coisa é dita, porque os muitos interesses bloqueiam a tomada de posição. Mas este é um surpreendentemente aberto e criativo relatório. É muito explícito — há muitas patentes sendo concedidas em coisas que não deveriam ser patenteadas, afirma-se; e muitas patentes sendo concedidas em termos muito mais amplos do que deveriam ser, dado o que há de patenteável nelas. O relatório recomenda um número de passos para lidar com os problemas — escritórios de patentes estão sobrecarregados, subfinanciados, por exemplo. Isso é muito importante — tem a ver com toda a pressão sobre os examinadores de patentes para que concedam a patente. As empresas têm gente que só cuida de patentes, e que força o examinador a explicar cada coisa que faz. Não há porta-voz no sistema para o público, não há quem diga: "Patentear isto? É ridículo!"

Quais as propostas do relatório?

Propõe-se um sistema de revisão de patentes muito mais aberto do que é no momento. Pela proposta, quando alguém anunciar a disposição de patentear, qualquer um poderá dizer: "Espere um minuto"; e disparar assim um processo de reexame — que será aberto. Isso seria um começo.

O Brasil não tem grandes empresas, marcas mundiais, com poucas exceções. Isso limitará o desenvolvimento do País?

Aqui você está me levando para um terreno que não conheço bem. Mas acho interessante se os pesquisadores daqui olharem para o exemplo de Taiwan em eletrônica. Há algumas multinacionais em Taiwan — o país não tem sido tão agressivo em mantê-las fora como a Coréia. Mas há muitas companhias taiwanesas. Muitas dessas empresas brotaram de pesquisas feitas na estrutura de laboratórios públicos da área de eletrônica. Os objetivos desses laboratórios são treinar pesquisadores, e usar a pesquisa para entender qual o estado da arte naquele campo particular; e servem como uma fonte de novas empresas. Quando a política foi implantada, esperava-se que os pesquisadores de Taiwan que aparecessem com um produto ou uma idéia interessante pudessem deixar o laboratório e formar uma companhia — o que funcionou muito bem. O caso de Taiwan é o único que eu conheço em detalhe que tem essa característica. Surpreende-me não ter sido mais estudado, porque é uma boa idéia. Talvez seja muito particular para o caso deles... Eu não penso que eles planejaram isso; a coisa evoluiu dessa maneira.

Em números absolutos, o Brasil forma poucos engenheiros. Qual a importância disso?


O treinamento de engenheiros é, do ponto de vista estatístico, o mais consistente correlato do rápido crescimento econômico. Há um grande número de estudos que mostram uma notável relação entre a produção de engenheiros e o subseqüente desenvolvimento geral da manufatura. Minha crença é que, em comparação com 30, 40 e 50 anos atrás, a maior parte das tecnologias industriais é hoje mais complexa, e requer treinamento sofisticado para ser operada. O que está acontecendo é que o estudante que obtém um treinamento de primeira linha no MIT [Massachusetts Institute of Technology] ou Cambrigde, ou em Campinas, tem muito mais capacidade de aprender sobre uma tecnologia do que um engenheiro formado 50 anos atrás. A pergunta interessante é: nós seremos capazes de treinar uma fração não trivial da população a este alto grau de sofisticação, e ao mesmo tempo preservar uma sociedade moderna e equânime? Odeio fazer comentários sobre um país que não conheço profundamente. Mas arriscaria uma conjectura de que o maior problema para o Brasil é oferecer educação primária e secundária de bom nível à maior parte da população, o que aumentaria o número de pessoas que poderiam se graduar na Unicamp. Isso é difícil, porque vocês são tantas pessoas, o país é tão grande... Não está claro por que os taiwaneses, japoneses e os coreanos foram capazes de fazê-lo, mas eles foram!

Sem inovação, é possível haver hoje desenvolvimento econômico?

Eu vejo as economias modernas como estando sempre em processo de mudança, sempre em processo de inovação — e, a propósito, eu incluo no termo inovação fazer coisas novas, e de uma maneira significantemente diferente da maneira como eram feitas antes. Para viver no mundo da economia de hoje, você precisa estar sempre inovando em algum nível, sempre mudando, mesmo numa área estável como a agricultura — aparecem novas sementes, novos fertilizantes, novas técnicas. Talvez as mudanças sejam muito rápidas e firam pessoas durante o processo. Mas no futuro previsível é isso que se vê — o mundo vai continuar sendo assim, e todos terão de se mover com ele, e não ficar muito atrás da fronteira.


Extraído de Inovação Unicamp.

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