Dan Ariely é o que se pode chamar de um verdadeiro Iconoclasta. No sentido literal da palavra, Ariely destrói ícones, quebra paradigmas, rompe tradições. E seu principal alvo é a economia tradicional, tão apegada aos princípios de uma suposta racionalidade, sempre a serviço da maximização da utilidade.
Nascido em Nova Iorque, onde seu pai estudou, Ariely passou sua infância e adolescência em Israel, onde adotou a cidadania do país e um característico sotaque.
Enquanto servia o exército, sofreu um grave acidente que haveria de marcar-lhe por toda a vida: uma explosão de magnésio provocou queimaduras de terceiro grau em mais de 70% do seu corpo.
Os três anos seguintes passados no hospital despertaram-lhe um voraz interesse pelo comportamento humano e, especialmente, por seus motivadores. As inúmeras cirurgias reconstrutivas e as torturantes sessões de curativos que compuseram seu doloroso tratamento (arquivo em PDF) inspiraram-lhe a buscar entender o porquê de tomarmos decisões que contrariam a lógica e o bom-senso.
Pois se você ainda acha que sua lógica e bom senso continuam intactos, você precisa ler esse texto até o final!
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Formado em Psicologia pela Universidade de Tel-Aviv, Israel, Ph.D. em Psicologia Cognitiva pela Universidade da Carolina do Norte e em Administração pela Universidade de Duke, Ariely foi considerado em 2008 pela revista Fortune como um dos 10 Novos Gurus que Você Precisa Conhecer.
Dan Ariely tem sido um dos principais porta-vozes da Economia Comportamental (Behavioral Economics) que, em oposição à Economia Tradicional, defende uma tendência maior do ser humano a tomar decisões nem sempre tão racionais.
Mas como essa idéia de irracionalidade é um pouco difícil de aceitarmos - exatamente porque nos consideramos racionais, intuitivos e infalíveis - Ariely dá uma ajudinha através de curiosos exemplos.
Observando a figura abaixo (turning tables, de Roger Shepard), qual das mesas você imagina que é a mais comprida?
Sugestão: pegue uma régua e meça o comprimento da mesa da esquerda (na vertical) e o da sua vizinha (na horizontal).
PRONTO?
A leitora certamente deve ter estranhado um bocado o fato de as mesas terem exatamente o mesmo comprimento, apesar de a da esquerda parecer bem maior, não?
Trata-se de um corriqueiro fenômeno de ilusão de óptica, através do qual um dos nossos sentidos parece nos pregar uma peça, comprometendo a correta compreensão de determinado fenômeno. Pois as idéias de Ariely baseiam-se no fato de que o mesmo acontece com o nosso raciocínio: independente da inteligência, do conhecimento sobre determinado assunto ou do grau de instrução de um indivíduo, sua compreensão da realidade pode ser distorcida por ilusões semelhantes.
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Voltando à via crucis do seu tratamento pós-acidente, Ariely recorda-se de suas excruciantes sessões diárias de trocas de curativos, onde a remoção das bandagens para a limpeza dos ferimentos levava junto as camadas de pele recém-formadas.
Num doloroso processo que se prolongava por horas, as enfermeiras arrancavam as ataduras de uma vez só, num movimento rápido e único, causando uma dor intensa mas de curta duração (A). Mas seria esse o procedimento mais adequado? Ou seria preferível um movimento mais suave, porém de maior duração (B)?
Já na faculdade Ariely tomou contato com a Psicologia Experimental, onde procura-se reproduzir em laboratório algumas condições da vida real, para verificar a forma como as pessoas se comportam em determinadas situações. E decidiu, assim, buscar a resposta para essa dúvida.
Contando com a ajuda de corajosos (masoquistas?) voluntários, ele observou inúmeras reações em situações dolorosas - como ter seu dedo apertado num torno ou levar pequenos choques elétricos - verificando e medindo, então, os efeitos da dor com o passar do tempo.
Confirmando a intuição de quem vivera a experiência do lado do paciente - e rejeitando a das enfermeiras - ele concluiu que é preferível uma dor de menor intensidade e de maior duração (B) do que o contrário (A) e resolveu, então, levar suas descobertas ao mesmo hospital onde fora tratado.
Após explicar seus métodos, mostrar suas conclusões e dar suas sugestões, Ariely viu que as enfermeiras não adaptaram o seu comportamento, mantendo inalteradas as rotinas de trocas de curativos. Foi aí que percebeu, então, que mesmo quando confrontadas com provas concretas ou demonstrações embasadas sobre um comportamento equivocado, as pessoas relutam em mudá-los.
Ou seja, ainda que sejamos alertados sobre nossas observações imprecisas, interpretações esdrúxulas ou conclusões inadequadas, resistimos em aceitar o óbvio e corrigir nosso rumo. Daí sua conclusão que nós não somos apenas irracionais em determinados contextos, nem que isso ocorre de forma aleatória. Nossa insistência no erro, de forma sistemática, nos torna Previsivelmente Irracionais. (Se você acha que isso é um exagero, volte na figura das mesas e veja se a da esquerda ainda parece maior do que a da direita...)
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OK, a teoria é bem bacana e somos um tanto quanto irracionais. Mas o que isso tem a ver com um Fórum de Marketing e Vendas? Numa frase apenas: seu consumidor é um ser altamente irracional mas você continua se comunicando com ele como se ele tivesse uma mente infalível e capaz de tomar decisões puramente racionais.
Seu livro lançado recentemente - o best seller Previsivelmente Irracional - está recheado de exemplos onde Ariely mostra a inconsistência por trás de decisões aparentemente intuitivas. Vejamos alguns bem ilustrativos:
.: Escolhendo as geléias: no estudo When Choice is Demotivating (Quando escolher é desmotivante) os pesquisadores Sheena Iyengar e Mark Lepper testaram numa degustação em uma delicatessem a influência da variedade nas decisões de compra. Um balcão de experimentação com 24 sabores diferentes de geléias chamava a atenção de 60% dos consumidores (145 de 242) que faziam compras na loja, mas quando eram apenas seis variedades, somente 40% olhavam mais detidamente (104 de 260).
Embora a porcentagem dos que provaram algumas das geléias fosse semelhante nos dois grupos, a taxa de conversão (compras efetuadas) foi drasticamente diferente: dos 145 clientes que provaram uma das 24 geléias, 4 compraram um pote (2,8%). Já dos 104 que experimentaram ao menos uma das seis opções, 31 levaram uma para casa (29,8%). Uma taxa de conversão altíssima e nada menos do que dez vezes superior à outra!
Chris Anderson cita o mesmo experimento no seu ótimo The Long Tail (A Cauda Longa), onde conclui que o problema de escolher uma opção é ter que desistir das demais. Neste raciocínio, quem escolhe uma entre 24 marcas, precisa excluir 23 - o que aumenta suas chances de se arrepender depois.
.: Quem define o doador? O gráfico abaixo mostra que porcentagem da população de cada país europeu é doadora de órgãos.
Antes que se busque razões culturais para a discrepância dos números, nota-se que países semelhantes têm índices muito distintos, como Dinamarca (4%) e Suécia (86%) ou Alemanha (12%) e Áustria (100%).
Pois a razão não está em campanhas educativas, conscientização da população nem no amor ao próximo. A diferença segue apenas a forma como os formulários de solicitação de licença para dirigir são elaborados.
Nos países com baixas taxas de doação, há um quadradinho na ficha onde a pessoa precisa marcar caso queira ser doador de órgãos. Ou seja, a opção padrão (default) é não-doador e ela precisa manifestar o seu desejo de tornar-se doador (opt-in).
Já naqueles onde a doação de órgãos é mais ampla, o indivíduo precisa marcar um quadradinho caso não queira ser doador de órgãos. Neste caso, a opção padrão é doador e ele precisa deixar claro que não quer sê-lo (opt-out).
Richard Thaler e Cass Sunstein chamam isso de Arquitetura da Escolha e mostram, no interessante Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth, and Happiness, a decisiva influência da apresentação das opções na preferência das pessoas. Via de regra eles aconselham que, quanto mais complexa a escolha, mais as pessoas optam pela situação padrão.
Lembro-me, ainda, de uma história que um professor contou na faculdade (faz tempo, por isso não tenho a referência) sobre uma superprodução de ovos nos EUA. Para desovar o excedente (beleza de trocadilho!), as lanchonetes adicionavam-nos aos milk-shakes, com a seguinte pergunta: "Vai querer com um ou dois ovos?" A maioria pedia apenas um, sem se dar conta de que jamais havia tomado um milk-shake batido com ovo.
.: Iguais, mas diferentes: suponha que você ganhe um prêmio e precise escolher entre uma viagem com todas as despesas pagas para Madri ou para Roma. Passagens aéreas, hospedagem e refeições. Uma escolha difícil, já que ambas as capitais oferecem inúmeros atrativos, certo? Mas suponha agora que exista uma terceira opção, que seria a mesma Roma, porém sem os cafés incluídos. Ou seja: a mesma viagem, para o mesmo lugar, mas com os cafés por sua conta (cafezinho, não o café-da-manhã).
Um pequeno e quase insignificante detalhe (já que mesmo em Euros um cafezinho não é assim tão caro, perto de uma viagem desse porte) mas que, imediatamente, faz a viagem a Roma com tudo pago (inclusive os cafés) parecer bem mais atraente... E você acaba optando por ela em vez de Madri.
Noutro exemplo bastante ilustrativo, Ariely pediu aos seus alunos que escolhessem entre as três opções de assinaturas da revista inglesa The Economist, conforme a figura ao lado.
84% deles escolheram a terceira opção, ficando com as edições impressa e virtual por US$ 125,00 anuais - que é exatamente o mesmo valor da segunda opção: edição impressa apenas.
Variando a pesquisa, ele eliminou a alternativa do meio, deixando somente a via internet (US$ 59,00) e a via internet mais papel (US$ 125,00).
O efeito disso foi a brusca inversão das preferências, tendo a primeira opção (apenas internet por US$ 59,00) sido a mais escolhida, agora, por 68% dos pesquisados.
A conclusão prática disso é que a inclusão de uma terceira opção, um pouco pior do que a mais cara, aumenta a procura pela a mais cara. Claro, desde que você não exagere e coloque 24 alternativas como no caso das geléias.
.: Removendo as âncoras: um conceito muito utilizado em Negociação e em Marketing é a ancoragem. Uma âncora é um valor simbólico que nos dá uma referência quando precisamos fazer algum tipo de escolha. Quando não há referência alguma, em que você se baseia para saber o preço de um saxofone ou a população de Uganda? Sem uma âncora - um valor inicial - você se perde em suas estimativas. Mas um valor inicial desproporcional também pode te atrapalhar.
Este foi o dilema da Starbucks logo no seu início: como fazer as pessoas pagarem US$ 2,50 por um espresso que custava US$ 1,00 nas outras cafeterias?
Além de investirem em produtos de qualidade premium, seus idealizadores trataram de criar uma atmosfera completamente diferente para o consumo do simples café, acrescentando outros tipos de produtos "acessórios" (bagels, cookies, brownies), além de diversas amenidades extras (jornais e revistas, sofás espaçosos e um ambiente sofisticado).
Além de fazer com que a experiência de consumo fosse um toque a mais que compensasse o preço elevado, eles a tornaram algo que não pudesse ser comparado com outras redes de cafeteria, como a Dunkin' Donuts por exemplo.
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A principal contribuição de Dan Ariely diz respeito à forma como enxergamos os processos decisórios. Os nossos e os dos outros. Se as pessoas são realmente como ele diz, isto é, nem sempre tomam as decisões mais lógicas e coerentes, por que ainda trabalhamos com informações baseadas num mundo perfeito?
De que forma podemos adaptar nossas mensagens de maneira que elas realmente tenham significado para o nosso cliente? E que mudanças podemos fazer em nossos produtos, nossos sistemas de distribuição, nossas formas de pagamento ou em nossas lojas, de forma que a experiência de consumo seja mais agradável agora, ou que não traga arrependimentos futuros?
Que todos somos irracionais, parece claro. Mas você quer continuar sendo?
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Outros textos que citam idéias de Dan Ariely:
.: Experimentos em Psicologia: Festinger e a Dissonância Cognitiva;
.: Hormônios adolescentes e aflições adultas;
.: Quer ganhar quanto?;
.: Amanhã eu escrevo;
.: Seu ladrãozinho barato!
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