Achei um artigo bem interessante do prof. Pio da UP no site do Conselho de Economia do PR. Transcrevo abaixo:
OS MALDITOS CAPITALISTAS
José Pio Martins
Eu fazia palestra sobre empreendedorismo para um grupo de jovens, e
havia na plateia um sujeito que destoava da turma por ter o dobro da idade da
garotada e ostentar uma barba branca. Ele pediu a palavra e disse que a miséria
do mundo somente acabará quando acabarem os “malditos capitalistas” e não
houver mais empresários privados. Pedi que ele explicasse três questões: a)
como seriam as unidades produtivas no seu sistema, quem as montaria e as
dirigiria? b) como seriam as decisões de o que produzir, quanto produzir e para
quem produzir? c) qual a garantia de que haveria o máximo de produção
possível?
O sujeito confessou-se anticapitalista, saudosista do comunismo, embora
sem instrução formal em economia. O debate foi educado, e ele ficou apenas na
bronca antiempresarial e na indignação com a pobreza. De minha parte,
aventurei algumas explicações.
O conceito de empresa surgiu com a descoberta da agricultura, há 10 mil
anos. Um dia, um homem escolheu um pedaço de terra livre, cortou o mato e
convidou outras pessoas para ajudar no plantio e na colheita. Em pagamento, o
homem ofereceu, aos que o ajudaram, uma parte da safra.
Esse homem disse, aos operários, uma frase que deu origem à propriedade:
“Isto é meu”. Todos aceitaram, pois qualquer um poderia seguir viagem, pegar
um pedaço de terra livre e também dizer: “Isto é meu”. A coisa foi evoluindo e
esse homem passou a tomar decisões de cuidar da terra, organizar as tarefas,
orientar os ajudantes e fazer a partilha da colheita. Foi aí que surgiram o
empresário, a livre iniciativa e a liderança.
Num segundo momento, os ajudantes (operários) passaram a ser
contratados sem interesse direto no resultado da colheita, pois o proprietário
passou a pagá-los com estoques guardados de colheitas anteriores. Os ajudantes
recebiam por seu trabalho, fosse a safra boa, ruim ou nula. O risco era do dono
da terra. Com a evolução da ciência e da tecnologia, o homem-dono passou a
comprar ferramentas para ajudar os operários no manejo da lavoura. Foi quando
a produtividade (que é a produção por hectare de terra) cresceu
acentuadamente, propiciando que ambos se beneficiassem: o operário, que pôde
ter um pagamento maior, e o proprietário, que pode reter uma safra maior.
Os séculos se passaram e, um dia, alguém resolveu dizer que “ninguém
mais poderia ser dono, nem da terra, nem da fábrica”. Surgia o comunismo. O
Estado seria proprietário de tudo, nomearia gerentes para cuidar de cada
unidade de produção (empresa) e a colheita seria dividida com todos. Marx e
Prodhoun diziam que “toda propriedade é um roubo”. Só que eles não contavam
com uma armadilha: sem dono das terras e das fábricas, ninguém mais tinha
grande interesse individual no tamanho da produção.
A princípio, a ideia era boa: dar a todos uma fatia igual no resultado. Mas o
que se viu foi uma coisa simples: desprovidos de incentivo, os gerentes e os
operários, tantos os rurais quanto os industriais, deixaram a produção
despencar, disseminando fome e miséria. A União Soviética foi o berço dessa
experiência de engenharia social, que durou setenta anos, deixou um rastro de
fome e de pobreza e desmoronou em 1989. Mas, lá, a fome não se originava da
má distribuição da produção. Originava-se do fato de não haver produção.
O comunismo, defendido pelo sujeito na plateia de minha palestra,
fracassou completamente e os malditos capitalistas foram chamados para
empreender, produzir e enriquecer. Quando perguntaram a Deng Xiaping,
Secretário-Geral do Partido Comunista Chinês, que conselho daria aos jovens do
país, ele respondeu: “Enriqueçam! Enriqueçam!”.
Pois bem, o capitalismo é isso: um sistema de propriedade privada dos
meios de produção, que incentiva o risco e o espírito empreendedor e promove a
riqueza dos “malditos empresários”, tudo para que a sociedade tenha o máximo
de produção possível, sem o que não há como melhorar a vida de todos. A briga
pela distribuição de renda é boa quando existe renda (a outra face do produto).
Quando não há renda, a briga pela distribuição é a disputa pelas migalhas. Até
Karl Marx reconheceu isso, quando disse, na “Ideologia Alemã”, que “enquanto
não houver aumento da produtividade capaz de gerar abundância, a briga pela
redistribuição de fatias do bolo será apenas uma briga pela ‘die alte Scheisse’ (a
velha merda)”.
Foi essa historinha que contei para a garotada e o barbudinho socialista. Ele
gostou, mas acho que não se convenceu. Para muitos, o comunismo é religião.
José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.
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