1. A nova abordagem científica da complexidade
Do determinismo clássico aos trabalhos de Poincaré
A tradição científica ocidental afirma que as melhores teorias são as mais simples. É assim que desde os seus primórdios tem procurado descobrir aquilo que é essencial e invariante. Em especial, após a introdução por Galileo Galilei do método científico no século XVII, os cientistas passaram a acreditar que seria possível descobrir gradualmente todas as leis que regem a realidade e a determinam. Quem melhor exprimiu este sonho foi Pierre Simon Laplace, ao afirmar que «uma inteligência que, num dado instante, conhecesse todas as variáveis do Universo, abarcaria na mesma fórmula os movimentos de todos os corpos: nada seria incerto para ela, o futuro, tal como o passado, estaria presente a seus olhos». Com as Leis do Movimento de Newton, surge a Mecânica determinista Clássica e esta visão da realidade e das possibilidades da Ciência alcança o seu apogeu.
De acordo com este paradigma, pode-se prever, por exemplo, o comportamento de dois corpos gravíticos, explicando as órbitas da Terra em redor do Sol. Determinar os comportamentos possíveis de um sistema três corpos deveria ser também simples, embora mais trabalhoso. Só que a realidade reservava surpresas à inteligência humana.
Este problema era traduzido por um sistema de equações diferenciais, resultantes das leis de Newton, que descrevia a evolução do sistema. Há dois tipos de equações diferenciais: as lineares, que se podem resolver explicitamente, e as não lineares, impossíveis (salvo raras excepções) de resolver. Com a introdução do corpo gravítico adicional, o sistema tornava-se não linear e, logo, insolúvel.
Mais tarde, perto de 1880, o matemático francês Henri Poincaré trabalhou sobre este problema. Apesar de não poder resolver explicitamente o sistema de equações, Poincaré, num rasgo notável, verificou que podia tirar conclusões sobre a evolução do sistema, analisando-o qualitativamente, de forma a determinar se este evoluiria no sentido de um equilíbrio estacionário, uma órbita periódica ou outros comportamentos mais surpreendentes.
Poincaré descobriu então que o sistema de três corpos apresentava comportamentos extremamente irregulares, complexos e não-periódicos. Aquilo a que hoje se chama comportamento 'caótico'. Isto provocou um enorme choque ao cientista, pois contrariava profundamente tudo o que se conhecia e a Mecânica Clássica previa. Se três corpos já manifestavam um comportamento instável, como é que se podia garantir a estabilidade do Sistema Solar?
Na sequência do trabalho pioneiro de Poincaré, surgiu um novo campo de investigação sobre os Sistemas Dinâmicos, em especial os não-lineares, que acabou por se tornar conhecido sob o nome questionável de Teoria do Caos. Um sistema dinâmico não-linear não é determinista nem previsível, evoluindo no tempo com um comportamento aperiódico, longe do equilíbrio e fazendo depender o seu estado futuro do estado actual. O mais interessante é verificar que este tipo de comportamento é o mais frequente em sistemas reais, tais como uma panela de água ao lume, um sistema ecológico, a economia mundial ou a atmosfera. Esta característica única faz com que o eco do Caos chegue a ciências tão diferentes como a Física, a Biologia, a Economia, a Matemática ou a Gestão.
Da dependência sensível das condições iniciais aos atractores estranhos
A evolução da construção destas novas ideias prosseguiu com o auxílio da informática. O primeiro explorador informático do universo do Caos foi, inadvertidamente, Edward Lorenz, um matemático dedicado à meteorologia. Lorenz programou um simulador de clima no seu computador, um arcaico Royal McBee. O computador imprimia séries de números que representavam a evolução da pressão, temperatura, velocidade e direcção do vento. As equações diferenciais utilizadas por Lorenz tinham um aspecto perfeitamente inocente, até que um acaso revelou a sua verdadeira face.
Um dia, no Inverno de 61, Lorenz quis reexaminar uma sequência temporal do seu simulador. Para ser mais rápido, começou a meio, utilizando os números da série anterior como ponto de partida. As duas séries deveriam ser exactamente iguais, mas logo após alguns meses (simulados) divergiram e perderam qualquer semelhança. Lorenz pensou primeiro numa avaria do computador, mas a solução era mais simples: o computador guardava os números na sua memória com 6 casas decimais, mas só imprimia as três primeiras, para ser mais rápido. Ao introduzir os números impressos, Lorenz cometeu um erro na ordem dos décimo-milésimos. Foi este pequeno erro o suficiente para mudar completamente a evolução do sistema.
Mais tarde chamou-se a este comportamento 'Efeito Borboleta' ou Dependência Sensível das Condições Iniciais e costuma ilustrar-se com a noção de que o esvoaçar de uma borboleta hoje em Tóquio pode provocar uma tempestade violenta sobre Nova York em poucas semanas. Este efeito é suficiente para demonstrar a impossibilidade da previsão meteorológica e afastar de vez o determinismo Laplaciano: para se fazer uma previsão perfeita dever-se-iam conhecer as variáveis iniciais com uma precisão infinita. Para armazenar uma variável com precisão infinita, é preciso uma memória infinita. Sendo impossível dispor de uma tal memória, é impossível a previsão determinista.
Lorenz prosseguiu a análise dos sistemas dinâmicos. Escolheu um sistema de 3 equações diferenciais (que ficaram conhecidas por Equações de Lorenz) e representou graficamente o seu comportamento, utilizando novamente um computador.
Chama-se atractor ao comportamento para o qual um sistema dinâmico converge, independentemente do ponto de partida. Um pêndulo em movimento converge para uma oscilação de período constante, uma bola a rolar sobre uma superfície com atrito converge para uma situação de velocidade nula. Se representarmos por um ponto num gráfico tridimensional cada estado das Equações de Lorenz, podemos ver que convergem para um atractor tridimensional. No entanto, este atractor não corresponde nem a uma órbita regular nem à imobilização: é um 'atractor estranho', o sistema nunca assume o mesmo estado duas vezes, apesar de haver uma vizinhança mais povoada. O sistema é caótico, imprevisível, mas ao mesmo tempo converge para um atractor determinado.
Em 1975, o físico Mitchell Feigenbaum debruçou-se sobre as estranhas propriedades da função recursiva Xn = k Xn-1 (1 - Xn-1). Começando num valor qualquer de X e dando um valor ao parâmetro k entre 0 e 4, podemos ver qual vai ser o comportamento a longo prazo do sistema repetindo a fórmula recursiva um bom número de vezes. De início, para valores de k pequenos, o sistema converge para um valor. Com k = 3, o sistema alterna entre dois valores: é uma solução de período 2. Para k = 3,5 o período passa a ser 4, em k = 3,56 duplica de novo, para uma solução de período oito, começando a partir daqui a haver uma duplicação de período cada vez mais rápida, que aparece no gráfico (figura 4) como uma ramificação, até que perto de k = 3,58 o sistema se torna caótico. No entanto, de forma fascinante, o Caos desaparece esporadicamente, surgindo janelas periódicas, para reaparecer logo a seguir.
Feigenbaum tinha descoberto a universalidade no Caos. O seu número é a constante de proporcionalidade para a duplicação de período não só em inúmeras funções matemáticas mas também em sistemas físicos reais, como células de convexão, fluidos turbulentos e até sistemas electrónicos, ópticos ou biológicos.
A geometria fractal da Natureza
Pode-se observar no gráfico desta função uma particularidade curiosa: a auto-semelhança. O diagrama contém cópias minúsculas de si próprio, repetindo até ao infinito o seu aspecto. Esta é uma das propriedades fundamentais de um novo conjunto de formas geométricas associado ao Caos: os Fractais.
A geometria fractal começou a ser concebida lentamente na mente de Benoit Mandelbrot desde a década de 50. Mandelbrot, matemático de formação, trabalhava nessa altura na secção de investigação pura da IBM, onde estava a estudar a distribuição de rendimentos numa economia. De visita a um colega, professor de economia em Harvard, ficou surpreso por encontrar no quadro um diagrama semelhante ao que estava a estudar. Só que não se tratava de uma representação gráfica de nenhuma distribuição de rendimentos, mas sim da evolução dos preços de algodão ao longo de oito anos.
Sendo, por opção, um "nómada" interdisciplinar, Benoit Mandelbrot dedicou-se em seguida a assuntos tão diversos como a distribuição das palavras, a teoria dos jogos, a distribuição de grandes e pequenas cidades, os ruídos nos fios telefónicos ou as cheias do Nilo. Em cada um destes domínios divergentes encontrou a auto-semelhança entre escalas. A nova geometria, que só ganhou um nome em 1975, quando Mandelbrot encontrou o adjectivo fractus num dicionário de latim e lhe pareceu que fractal seria uma denominação apropriada, tanto pode ser encontrada em figuras criadas pela mente humana (como a curva de Koch ou o conjunto de Cantor) como na realidade (dois bons exemplos são os contornos de uma linha costeira e o sistema circulatório).
A tradução matemática desta complexidade geométrica é a introdução de um conceito tão bizarro como o de que dimensão de um fractal é fraccionária. A 'dimensão fractal' (originalmente, dimensão de Hausdorf-Besicovitch) traduz o grau de irregularidade de um fractal, sendo calculada através de uma definição matemática. Por exemplo, a dimensão fractal do Conjunto de Cantor é 0,6309
(log 2 / log 3), enquanto a da curva de Koch é 1,2619 (log 4 / log 3). Isto significa, por exemplo, que a curva de Koch, por ser mais "enrugada", ocupa mais espaço do que uma simples linha recta (dimensão 1), mas menos espaço do que uma superfície (que tem dimensão 2).
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