Por Cláudio Júlio Tognolli 20/10/2003 às 02:53
Esta entrevista foi publicada na revista INTERVIEW de fevereiro de 1996. Portanto, cerca de três meses antes da morte de Leary, em 31 de maio.
Cláudio Júlio Tognolli entrevista Timothy Leary, uma das figuras mais controvertidas do século XX.
A VIAGEM
O psicólogo Timothy Leary construiu seu nome destruindo o autoritarismo. Hoje, aos 75 anos de idade, três cânceres o destroem — e bem no auge da geração que ele ajudou a construir. O “Pai da Contracultura”, o homem que orientou os Beatles em suas viagens lisérgicas, pede desculpas, enfim. Tem agora seus limites e já não pode responder às minhas perguntas em missivas longuíssimas, sempre enviadas por fax, sempre encerradas com sua chancela lustrosa. “Desculpe-me…, não posso me estender muito”, diz Leary pelo telefone, falando de sua casa na Sunset Boulevard, em Beverly Hills, na Califórnia. A cada dois minutos de conversa Leary se impõe um recesso. Se avança, acessos de tosse tiram-lhe o fôlego e ele fica emudecido.
“Não, eu não vou me matar. Estou com três cânceres terminais, tenho o inimigo em mim mesmo. Disse que gostaria de morrer de uma maneira doce, podendo escolher com quem, onde e como morrer, mas isso não significa que eu vou me matar”, explica-me Timothy Leary. Na primeira quinzena de novembro passado a rede norte-americana CNN havia colocado Leary ao vivo, para todo o mundo, defendendo o direito ao suicídio, o que parecia ser a última viagem do papa do LSD. Ele desmente, deixando, no entanto, fumaça no ar: “Uma coisa eu tenho a dizer: vou morrer logo, muito logo, e essa experiência da morte é algo inacreditável. O último mês de vida é o período mais didático de toda a sua existência”, exulta Leary.
“Junto comigo assisto também à morte dos Estados Unidos. Bill Clinton é um imperador de um império em decadência, os Estados Unidos estão na mesma situação que a URSS estava no início da década de 90.” Leary acredita que, com a morte anunciada de tantos ícones, como ele, uma ferramenta funcione como instrumento coquete para libertar as novas gerações do século 21. “A Internet vai libertar-nos de padres, políticos e outras pragas semelhantes. Espero poder mandar mensagens para você depois que eu morrer.”
Aqui vão talvez umas de suas últimas linhas. Fazem parte de correspondência que troquei com Leary nos últimos cinco anos, desde que ele passou a me dar conselhos sobre uma tese de mestrado, que desenvolvi na ECA-USP, sobre psicanálise e chavões de linguagem. A última vez que nos falamos pessoalmente foi em Key Largo, na Flórida, quando preparava sua vinda ao Brasil, em fevereiro de 1992.
CJT: O senhor poderia fazer um apanhado dos anos 80 e 90?
TL: Eu passei dez longos anos lutando com computadores primitivos cujas telas eram, nos anos 80, cobertas de caracteres alfanuméricos. Eu realmente sofri muito nos anos 80, mas, como toda pessoa sensível, estava tentando desenvolver um software desenhado para potencializar a inteligência, ampliar a criatividade e aumentar a comunicação entre os indivíduos. Aí as coisas começaram a mudar nos anos 90! Agora estamos convertendo os processadores multimídia em fones de olhos. Esses programas de telepresença, de realidade virtual, fortalecem os indivíduos para que criem seus próprios quartos eletrônicos. Nossas casas viram cyber espaços muito confortáveis. Os modens dos telefones proporcionam visitas pessoais. Minha meta, nossa meta, é que nos primeiros cinco anos do ano 2000 cada cidadela do Terceiro Mundo tenha um aparelho de televisão e uma linha telefônica, para que seus habitantes enviem seus olhos e orelhas para visitarem jovens estudantes de todo o mundo. Poder para os pupilos!
CJT: O senhor acha que o marxismo vai reaparecer?
TL: Ah!, ah!… Por marxismo eu entendo que você esteja se referindo a Groucho, Harpo e Chico. Você está falando do Camarada Mao e de seu primo Karl? Eles, eu digo sempre isto, são figuras do distante século 19. Foram antigos heróis das Guerras Púnicas entre o Monopólio Capitalista e o Monopólio Socialista. Meu caro, a luta agora no século 21 é sobre quem controla suas telas, OK? De um lado nós temos os monopólios de transmissoras, de grandes meios de comunicação de massas. No outro lado, temos empreendimentos livres. Temos, em vez de Broadcasting, os Broad Catchings, informação livre e barata fluindo. Quem controla as retinas de seus olhos?
As TVs massificadas? Meu mote é “Poder para os pupilos”!
CJT: Como o senhor prevê o futuro da cultura e da contracultura?
TL: Eu celebro a globalização da arte e da cultura, o mundo eclético da música híbrida. A mistura do reggae, hip hop, salsa, soul, Chicago Industrial, Tokyo House, funk, jazz e rock and roll. Os novos indivíduos estarão zapeando seus sinais uns para os outros e usando aparelhos multimídia, da mesma forma que usam hoje seus fones de vozes. Você me pergunta também, é claro, das culturas das drogas. Há duas delas muito diferentes, por favor não as confunda. Há o período da cultura das drogas leves, entre 1955 e 1980, que era pacífico, humanista, pagão, amável, não materialista, tolerante, antimilitarista, desorganizado, anárquico. Mas nos anos 80 surgiu o Cartel Hard Drugs, a facção Reagan-Bush no Pentágono, que tomou conta dos Estados Unidos. Súbita e agressivamente surgiram a cocaína, o crack, os esteróides. E retornou à popularidade o uso pesado de álcool e armas pesadas.
CJT: O senhor acredita em Psicanálise?
TL: Você se refere a deitar passivamente, docilmente em um divã e ouvir um doutor sem o mínimo de humor confundir sua cuca? Não, não, muito obrigado. Eu tentei isso duas vezes e pratiquei por um tempo. Chutei longe esse hábito. Eu me juntei aos Psicanalisados Anônimos. A Psicanálise é uma lição de jardim da infância. Tente-a, mas permaneça irreverente. As pessoas que pensam por si mesmas são felizes. Por quê? Porque elas não têm que culpar ninguém, exceto elas mesmas. E eu posso mudar a mim mesmo.
CJT: Quem será a Nova Geração?
TL: Eu os chamo de New Breed. Eles combinam o melhor das contraculturas americana, japonesa e européia. São animados, autoconfiantes, individualistas, zen-oportunistas, habilidosamente psicodélicos e super high tech. São tolerantes, não sexistas e globalizantes. Começam em 1992 e vão até 2010.
CJT: Como essa geração vai trabalhar sua liberdade de consciência, da mesma forma que o senhor propunha aos Beatles?
TL: Mudando seus memes, sem a ajuda do Prozac. Memes são idéias conceituais, paradigmas básicos, palavras-chaves, que determinam a evolução biológica. Eles se reproduzem e se espalham de pessoa para pessoa. São expressados num símbolo, palavra ou ícone. São como marcas, selos, para os arquivos de seu computador biológico, seu cérebro. Uma forma de se mudar a cultura e modificar os memes é introduzir novos memes no cérebro das pessoas. Isso é feito através do estímulo multissensorial da atividade psicomotora. Os católicos o fazem usando sons, perfumes, luzes e reflexos que imprimem a realidade católica no cérebro das pessoas. As organizações cada vez mais vão usar os memes para controlar o cérebro das pessoas.
CJT: O que Timothy Leary sugere?
TL: Descubram quais são e aprendam a mudar os seus memes!
Timothy Leary foi abandonando paulatinamente sua postura de guru das viagens lisérgicas, embora tenha me dito, há dois anos, que ainda tomava LSD todas as semanas, como base de experimentos de ponta, que ele chama de “cutting edge”. Leary atravessou os últimos anos dando orientações para PhDs de universidades londrinas e americanas sobre como estudar história fazendo uso das smart drugs. Com capacete e luvas de velcro e drogas inteligentes na cabeça, você entra na tela do computador e presencia, por exemplo, como era viver nas ruas de Paris na época da Revolução Francesa. Esse é último Leary:
“Você anda preocupado, e muito, sobre o risco da inteligência artificial se tornar mais esperta do que a mente humana, e isso não é possível. Nós estamos desenvolvendo programas que possam converter uma tela de computador num aparelho de telecomunicações. Uma espécie de fone do cérebro, das idéias. A comunicação da televirtualidade é a nova chave. Esse é um novo incentivo para os indivíduos criarem suas próprias realidades na tela, criarem seus próprios memes. Essa é a estrada da libertação psíquica das idéias prontas, das grandes corporações”.
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