Qualquer empresa que deixar de quitar ou atrasar o pagamento de impostos passa imediatamente a sentir os rigores da lei: multas, juros, impedimentos de negociar com o governo etc. Pessoas físicas, igualmente. Quem não paga o IPVA, por exemplo, arrisca ter seu veículo apreendido na primeira blitz de trânsito; se está inadimplente com o Imposto de Renda, cassam-lhe o passaporte. E assim por diante. Seja quem for, o adjetivo que se emprega para qualificar o sonegador ou o inadimplente é o de caloteiro. E se for o contrário? Se for o governo a não pagar as dívidas que contraiu com contribuintes, com que nome qualificá-lo?
Muito embora seja da “tradição” de quase todos os governos não pagar, ou não pagar em dia seus compromissos, eis que agora o Congresso Nacional busca institucionalizar a prática do calote estatal. E o fez ao aprovar, semana passada, uma proposta de emenda constitucional – a PEC 12/06, também conhecida pelo desonroso nome de “PEC do calote” – pela qual o Estado ganha o “direito” de jogar para as calendas gregas a obrigação de pagar dívidas reconhecidas em caráter irrecorrível pela Justiça, os chamados precatórios.
Na última quarta-feira, graças aos votos de 328, a ausência de uma centena e a abstenção de alguns de seus 510 deputados, a Câmara Federal referendou o anteprojeto em primeira discussão, com quase nenhuma mudança fundamental em relação ao unanimemente aprovado pelo Senado em abril. Cumprida apenas mais a formalidade do segundo turno de votação, o que poderá se dar nos próximos dias, a PEC estará pronta para ser sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E, então, estará configurado o calote de cerca de R$ 100 bilhões – algo equivalente a quase quatro vezes o tamanho do Orçamento do Paraná deste ano – que os governos estaduais e municipais impõem contra o direito líquido, certo e irrecorrível de que são titulares milhões de brasileiros.
Pela legislação atual, os credores de títulos judiciais perante os entes públicos podem requerer o valor que lhes é devido para recebimento até o último dia do exercício seguinte. Assim, terminado um processo, a Fazenda Pública deveria pagar o que deve até o final do ano seguinte, observada a ordem cronológica dos requerimentos. Muito embora esta seja a previsão legal, todos nós sabemos que ela não é cumprida – daí o absurdo acúmulo de precatórios pendentes, apesar das facilidades de prazo (dez anos!), parcelamento e juros que a Constituição Federal de 1988 já concedeu ao Estado.
A PEC 12/06 vem para agravar ainda mais esta situação injusta. Por meio dela, estados, Distrito Federal e municípios poderão parcelar suas dívidas em até 15 anos, ou, ainda, optar por depositar apenas um determinado porcentual de sua “receita corrente líquida”, sem prazo máximo determinado para o pagamento total das suas dívidas. Valerá o que lhes for mais conveniente, ou seja, é óbvio, a segunda alternativa.
Isto significa que, em excepcional hipótese, os cidadãos e as pessoas jurídicas detentoras de precatórios só receberão o que por direito lhes cabe em 15 anos. A outra hipótese, certamente muito mais tentadora para os governantes, caracterizará com ainda maior clareza o monstruoso calote de que falamos: obedecido o regime de pagamento com base em porcentual de receita, o parcelamento poderá se estender por décadas, muitas décadas. Já se calculou, por exemplo, que, no caso do Espírito Santo, a quitação de suas atuais dívidas se dará em 140 anos.
A emenda constitucional vai adiante na sanha de prejudicar os credores. Permite-lhes receber antes, desde que, porém, se inscrevam em eventuais leilões promovidos pelos estados e municípios, por meio dos quais “ganha” quem oferecer os maiores descontos... Mais ainda: legaliza o comércio de precatórios entre particulares, hoje um próspero e lucrativo mercado que se faz sob as sombras da informalidade e da exploração especulativa dos deságios a que se submetem os credores desesperançados.
Estas, dentre muitas outras características danosas que a PEC do calote introduz na Carta Magna, são mais do que suficientes para configurar a inominável violência que se perpetra contra cidadãos e empresas. É contristador para todos nós verificar que tal se dê às vésperas da comemoração dos 120 anos de República – pois não há nada de mais antirrepublicano do que a República voltar-se contra a cidadania ao dar forma de lei o que é intrinsecamente ilegítimo e injusto.
Muito embora seja da “tradição” de quase todos os governos não pagar, ou não pagar em dia seus compromissos, eis que agora o Congresso Nacional busca institucionalizar a prática do calote estatal. E o fez ao aprovar, semana passada, uma proposta de emenda constitucional – a PEC 12/06, também conhecida pelo desonroso nome de “PEC do calote” – pela qual o Estado ganha o “direito” de jogar para as calendas gregas a obrigação de pagar dívidas reconhecidas em caráter irrecorrível pela Justiça, os chamados precatórios.
Na última quarta-feira, graças aos votos de 328, a ausência de uma centena e a abstenção de alguns de seus 510 deputados, a Câmara Federal referendou o anteprojeto em primeira discussão, com quase nenhuma mudança fundamental em relação ao unanimemente aprovado pelo Senado em abril. Cumprida apenas mais a formalidade do segundo turno de votação, o que poderá se dar nos próximos dias, a PEC estará pronta para ser sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E, então, estará configurado o calote de cerca de R$ 100 bilhões – algo equivalente a quase quatro vezes o tamanho do Orçamento do Paraná deste ano – que os governos estaduais e municipais impõem contra o direito líquido, certo e irrecorrível de que são titulares milhões de brasileiros.
Pela legislação atual, os credores de títulos judiciais perante os entes públicos podem requerer o valor que lhes é devido para recebimento até o último dia do exercício seguinte. Assim, terminado um processo, a Fazenda Pública deveria pagar o que deve até o final do ano seguinte, observada a ordem cronológica dos requerimentos. Muito embora esta seja a previsão legal, todos nós sabemos que ela não é cumprida – daí o absurdo acúmulo de precatórios pendentes, apesar das facilidades de prazo (dez anos!), parcelamento e juros que a Constituição Federal de 1988 já concedeu ao Estado.
A PEC 12/06 vem para agravar ainda mais esta situação injusta. Por meio dela, estados, Distrito Federal e municípios poderão parcelar suas dívidas em até 15 anos, ou, ainda, optar por depositar apenas um determinado porcentual de sua “receita corrente líquida”, sem prazo máximo determinado para o pagamento total das suas dívidas. Valerá o que lhes for mais conveniente, ou seja, é óbvio, a segunda alternativa.
Isto significa que, em excepcional hipótese, os cidadãos e as pessoas jurídicas detentoras de precatórios só receberão o que por direito lhes cabe em 15 anos. A outra hipótese, certamente muito mais tentadora para os governantes, caracterizará com ainda maior clareza o monstruoso calote de que falamos: obedecido o regime de pagamento com base em porcentual de receita, o parcelamento poderá se estender por décadas, muitas décadas. Já se calculou, por exemplo, que, no caso do Espírito Santo, a quitação de suas atuais dívidas se dará em 140 anos.
A emenda constitucional vai adiante na sanha de prejudicar os credores. Permite-lhes receber antes, desde que, porém, se inscrevam em eventuais leilões promovidos pelos estados e municípios, por meio dos quais “ganha” quem oferecer os maiores descontos... Mais ainda: legaliza o comércio de precatórios entre particulares, hoje um próspero e lucrativo mercado que se faz sob as sombras da informalidade e da exploração especulativa dos deságios a que se submetem os credores desesperançados.
Estas, dentre muitas outras características danosas que a PEC do calote introduz na Carta Magna, são mais do que suficientes para configurar a inominável violência que se perpetra contra cidadãos e empresas. É contristador para todos nós verificar que tal se dê às vésperas da comemoração dos 120 anos de República – pois não há nada de mais antirrepublicano do que a República voltar-se contra a cidadania ao dar forma de lei o que é intrinsecamente ilegítimo e injusto.
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