Por trás das cenas devastadoras nas ruas do Rio de Janeiro existe uma batalha essencialmente econômica. Em jogo: o milionário mercado do tráfico de drogas
Por Hugo Cilo e Crislaine Coscarelli
A semana que começou com a ameaça de um conflito  potencialmente devastador do outro lado do mundo – com o ataque da  Coreia do Norte a uma ilha sul-coreana – terminou com cenas ainda mais  chocantes aqui ao lado, no Rio de Janeiro.De domingo até às 14h30 da sexta-feira 26, o balanço dos confrontos  descreveria uma autêntica estatística de guerra: 87 carros queimados,  188 pessoas presas e 36 mortes. Pânico nas ruas. Tanques blindados  circulam pela cidade. Homens fortemente armados ocupam redutos que até  dias atrás eram campos férteis para a atuação dos traficantes. E é esse é  o ponto-chave da batalha. 
25 de novembro, às 16h15, vila Cruzeiro, Rio: policial aponta metralhadora para criminosos no Rio de Janeiro,
em uma imagem que lembra o filme Tropa de elite. Desta vez, a guerra não é ficção
Na gênese dessa situação está a disputa entre quadrilhas de  traficantes pelo controle de uma indústria gigantesca: a do tráfico de  drogas. Essa atividade econômica ilegal movimenta mais de R$ 650 milhões  por ano apenas nos morros do Rio, além de R$ 220 milhões em contrabando  de armamentos, segundo estimativa da própria Secretaria de Fazenda do  Estado. Mas, a julgar pelo empenho dos criminosos na defesa de seus  territórios nos últimos dias, a cifra pode ser muito maior.
O estopim da guerra no Rio foi provocado pela reação dos  traficantes à ofensiva da polícia sobre seus domínios. Depois de colocar  em operação as UPPs, as Unidades de Polícia Pacificadora, que assumem o  controle de áreas vitais para a distribuição de drogas, os criminosos  reagiram com uma onda de violência sem precedentes – promoveram  arrastões, incendiaram veículos e fizeram ataques a forças de segurança.   
Queriam espalhar o terror – e conseguiram. O contra-ataque dos  criminosos soou como uma declaração de guerra às forças policiais.  Liderado pelo Batalhão de Operações Especiais (Bope), um grupo de 450  militares (entre Polícia Civil e Bope), com o apoio de nove blindados da  Marinha, ocupou alguns morros da cidade.
Agentes do Bope e da polícia militar  ocuparam, com rostos pintados e armas de alto poder de fogo, áreas de   domínio do tráfico nos morros cariocas
O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, atribui a ação dos  bandidos ao “desespero da marginalidade”, que perdeu espaço nas  comunidades depois do surgimento das UPPs. Bilhete interceptado dentro  de um dos presídios do Estado é apresentado pelo governo para embasar a  suspeita. 
Na mensagem, um detento manifesta insatisfação com a política de  segurança de ocupação das favelas. “O Ministério da Justiça e os Estados  brasileiros estão muito empenhados em levar para as cidades brasileiras  a paz. 
Evidentemente, há uma reação a esse tipo de política, que vem sendo  bem-sucedida no Rio”, disse o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto.  Seja como for, a reação dos criminosos espalhou o pânico na segunda  maior metrópole do País. Com medo de novos ataques, a população tem  evitado transitar nas linhas Amarela e Vermelha, duas das mais  movimentadas vias da cidade.     
Toda essa estratégia bélica do Estado contra o crime organizado tem  um custo nada desprezível. Apenas o deslocamento de agentes da Polícia  Rodoviária Federal custa R$ 210 milhões  aos cofres do Estado. Grande  parte do orçamento da operação é gasta no uso de três helicópteros. 
A hora de voo numa dessas aeronaves chega a R$ 5 mil – em cinco  horas no ar por dia, consome R$ 75 mil. Isso sem considerar o risco de  esses helicópteros serem abatidos em pleno ar, como ocorreu neste ano,  após o anúncio do Rio como sede da Olimpíada de 2016. 
O cenário de guerra no Rio reacende o debate sobre a legalização  das drogas como instrumento de combate ao tráfico. Um grupo cada vez  maior de políticos e intelectuais – entre eles o ex-presidente Fernando  Henrique Cardoso – defende a legalização do consumo como forma de  enfraquecer os traficantes. 
Desde 1998, quando a ONU levantou a bandeira de um mundo livre de  drogas, mais que triplicou o consumo de maconha e cocaína na América  Latina. Diante disso, os gastos de mais de US$ 25 bilhões em todo o  mundo em ações de repressão ao tráfico se mostram ineficientes – e, no  caso do Brasil, tem transformado o Rio de Janeiro em um palco de guerra.
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