Em 1988, John Holland e Brian Arthur decidiram estudar situações onde os agentes passam a ser heterogêneos, continuamente adaptando suas expectativas ao mercado cujo as próprias expectativas ajudam a criar. Devido a impossibilidade de se modelar tal problema analiticamente, eles simularam um mercado de ações artificial no computador.
Este mercado era totalmente autosuficiente, não precisando receber cotações reais da bolsa de valores. Eles fizeram um mundo a parte dentro do computador onde os agentes – programas artificialmente inteligentes - compravam e vendiam as ações uns dos outros. O computador mostrava o preço, os dividendos, quem esta comprando e quem esta vendendo, quem esta ganhando dinheiro e quem esta perdendo, quem esta no mercado e quem esta fora e assim por diante. Um outro programa, chamado de especialista (uma espécie de leiloeiro walrasiano), era responsável por casar os compradores e vendedores, como no mercado real. O mercado simulado continha doisativos : uma ação (ativo de risco) e um ativo sem risco (como um Fundo de Renda Fixa por exemplo). Os agentes, a cada rodada de negócios, deveriam decidir o quanto alocar em cada um dos dois ativos, dadas as suas restrições orçamentárias. Eles fazem isto através de suas previsões em relação ao preço da ação e ao seu risco (medido pela variância dos preços). As regras de previsão são do tipo SE-ENTÃO, ou seja, SE a situação do mercado for esta ENTÃO, esta previsão é feita. SE a situação for aquela, ENTÃO, aquela previsão é feita.
Os agentes podem reconhecer dois tipos de comportamento de mercado : técnico e fundamentalista. O comportamento técnico é quando os agentes reconhecem algum padrão na história passada dos preços. O fundamentalista é quando o preço das ações é sub ou super avaliado pelo mercado. Um exemplo de analise técnica é: o preço é maior do que a média móvel dos últimos 14 dias, e um exemplo de analise fundamentalista é : o preço esta sub-avaliado em 10% em relação ao preço justo calculado com base no lucro esperado da empresa.
Para um determinado período, se a descrição de uma regra de previsão for satisfeita, a regra é automaticamente ativada pelos agentes que a possuem. Várias regras podem ser ativadas ao mesmo tempo e o agente deve escolher qual delas usar. O decisão é feita com base no sucesso passado das regras que estão competindo para serem usadas. Uma vez que a regra é escolhida, o agente deve decidir o quanto investir, levando em consideração sua aversão ao risco. As decisões são submetidas ao especialista, um agente a parte que tem a função de casar as ordens de compra e venda entre os diversos agentes.
Um Algoritmo Genético (AG) é responsável pela evolução da população de regras de previsão ao longo do tempo. Toda vez que o AG é invocado ele substitui as regras mais fracas por novas regras. O critério para criação de novas regras é feito com base na precisão das previsões e na complexidade da regra, sendo as mais simples preferíveis as mais complexas. Novas regras são criadas pelo AG através da mutação das regras mais bem sucedidas no arsenal de regras de cada agente. As regras de previsão são diferentes para cada agente. Os agentes são heterogêneos.
Em situações onde os agentes são heterogêneos, temos o problema da indeterminação das expectativas de forma dedutiva. As expectativas tem uma característica recursiva, ou seja, a expectativa de um agente é função de sua antecipação da expectativa dos demais agentes e vice-versa. Esta auto-referencia impede que as expectativas sejam formadas dedutivamente. Se os agentes não podem formar suas expectativas de forma dedutiva, como eles as formam então?
Brian Arthur e seus co-autores no artigo “A precificação de ativos em Bolsa de
Valores Artificiais com expectativas endógenas” decidiram optar pela Indução
Racional, ou seja : os agentes agem continuamente com base em modelos de previsão apropriadamente selecionados, reforçam a confiança nos modelos que são validados e descartam os que não são. Os agentes aprendem a reconhecer padrões que eles coletivamente estão criando e que por suas vez criam novos padrões para o comportamento do preço das ações, para o qual novos modelos de previsão são formados. As crenças individuais, ou expectativas, se tornam endógenas ao mercado e competem constantemente em uma ecologia de várias crenças e expectativas. A ecologia de crenças co-evolui com o passar do tempo.
Esta é uma forma bem mais realista de se modelar o comportamento dos mercados. O resultado dos experimentos do mercado artificial no computador com expectativas endógenas explica um dos mais interessantes problemas em finanças: porque os operadores de mercado muitas vezes acreditam em analise técnica, “psicologia” de mercado e efeito manada, enquanto os teóricos do mundo acadêmico acreditam em mercados eficientes e falta de oportunidades especulativas. Ambas as visões estão corretas mas em diferentes circunstancias.
Quando Arthur e Cia. iniciavam os agentes com hipóteses expectacionais perto da hipótese de expectativas racionais, a solução gravitava em torno deste ponto. Caso alguns agentes eventualmente tentassem utilizar hipóteses diferentes, as previsões eram eliminadas pelo AG com o passar do tempo. Em regimes onde os agentes exploravam as alternativas expectacionais a uma taxa baixa, o mercado também tendia ao equilíbrio das expectativas racionais aceito pela HME.
O segundo regime, que prevalecia em maior número de situações, era o regime complexo. Quando os agentes começavam com hipóteses um pouco fora da hipótese de expectativas racionais ou em um regime onde a taxa de exploração das alternativas expectacionais é alta, o mercado se auto-organizava em um padrão complexo.
Em um mercado onde 100 agentes artificiais, cada um utilizando 60 modelos de previsão diferentes, tem-se um universo de 6000 hipóteses preditivas. Algumas das previsões que emergem podem apresentar feed-back positivo, outras, feedback negativo. Suponha que muitas hipóteses preditivas acreditem que o mercado funciona em ciclos de alta e baixa. Estas hipóteses apresentam feed-back negativo pois elas levarão os agentes a comprar no fundo do ciclo e vender na alta do ciclo, eliminando a possibilidade de lucros na medida em que o tempo passa e eventualmente desaparecendo da população de hipóteses preditivas.
Mas se um subconjunto de hipóteses emergisse por acaso e acreditasse que “o preço no próximo período sobe caso ele tenha subido nos três períodos anteriores” e caso hajam muitos agentes que acreditem nesta hipótese, ela levará os agentes a comprar, o que na média fará com que o preço suba, reinforçando este subconjunto. Este subconjunto que emerge tem seus dias contados. Em algum momento, outros agentes descobrirão a nova estratégia tornando-a inócua.
Novos subconjuntos de hipóteses são continuamente criados, consequentemente remodelando o mercado que é não-estacionário. Não ha qualquer razão para que hipóteses que obtiveram sucesso em um certo momento de suas vidas continuem gerando lucros para os agentes indefinidamente. Arthur e Cia. fizeram este experimento ao congelar hipóteses bem sucedidas em seu tempo e colocá-las de volta no mercado em tempos posteriores. As hipóteses geraram retornos não melhores do que média. Neste regime complexo, o mercado adquire uma psicologia rica, o trading técnico emerge, bolhas e crashes aparecem e os preços e volumes apresentam características estatísticas semelhantes as series retiradas de mercados reais, mais precisamente o comportamento GARCH – períodos de alta volatilidade no preço da ações, seguidos por períodos de calmaria. Este comportamento pode ser explicado pela presença de novas hipóteses preditivas melhores que as anteriores. As novas hipóteses levam os agentes a mudar sua forma de operar e a mudar a forma como os outros agentes por sua vez operam.
Para alguns agentes as novas hipóteses podem ativar regras preditivas otimistas, para outros, as mesmas hipóteses podem ativar regras pessimistas. Este cenário é definido como um mercado “nervoso”. Avalanches de mudança acontecem no mercado, em escalas grandes e pequenas. Períodos onde grandes mudanças levam a grandes mudanças, seguidos por períodos onde pequenas mudanças levam a pequenas mudanças. Enquanto as grandes mudanças não forem assimiladas pelo mercado, a volatilidade continuará alta. Em um segundo momento o que vemos é a calmaria depois da tempestade. Isto é o comportamento GARCH.
Estendendo a conclusão do experimento da Bolsa de Valores artificial para englobar a Economia como um todo, o que vemos é que esta, a pesar de ser formada por fábricas, tecnologias, mercados, instituições financeiras e outras entidades bastante tangíveis, o que de fato esta por trás guiando suas ações são crenças : expectativas subjetivas, hipóteses preditivas que tentam antecipar a ações dos outros seres humanos que formam o mercado. As crenças podem se reinforçar mutuamente ou competir entre si. Elas podem surgir, ficar proeminentes, dominar a cena por um tempo e depois cair e desaparecer. Podem ser formadas através de alguma teoria especifica ou de reconhecimento de padrões passados e podem ser transmitidas de um agente para outro. De forma conjunta, elas formam a macroeconomia, movem o mercado financeiro e
determinam o fluxo de capital internacional. Governam as alianças estratégicas e o investimento. Elas são o DNA da Economia. Em certos momentos as crenças podem levar a Economia a sua condição de equilíbrio. Contudo, na maior parte das vezes o que se vê é um comportamento complexo com crenças que são dedutivamente indeterminadas de antemão e que emergem como resultado da interação entre os agentes. A emergência de subconjuntos de crenças que se autoreinforçam lembra o comportamento dos sistemas auto-catalisadores que deram origem a vida na Terra de acordo com Stuart Kauffman.
A Economia melhor se descreve como uma entidade viva, orgânica, ao invés de uma máquina gigante. A complexidade da Economia de mercado é fruto de nossa própria complexidade.
Extraído do Livro Caos e Complexidade A Evolução do Pensamento Econômico, das páginas 253 a 259.
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